segunda-feira, 30 de julho de 2007

Entre o feijão e os versos

Responsabilidades primárias ou realização pessoal, qual delas devemos priorizar? É, justamente sobre isso que se trata o excelente livro de Orígenes Lessa “O feijão e o sonho”.
O protagonista, o poeta Carlos Lara, possui grande amor à Literatura e almeja publicar seus livros, mas diante disso, está uma de suas obrigações como pai de família, ou seja, sustentá-la financeiramente.
Apesar de ter sido escrito em 1938, a crítica que se encontra no livro é atual. O poeta Carlos Lara escreve livros que raramente são publicados e, mesmo quando são, o dinheiro obtido é pouquíssimo.
A esposa do poeta, Maria Rosa, representa a razão, a racionalidade. Ela é a maior crítica da realidade vivida pela família, que tem quatro filhos. Maria Rosa sabe que ninguém num país como o nosso pode sobreviver de boa Literatura, ainda mais de poesias, que são tão pouco lidas e compreendidas.
Carlos Lara é um estrangeiro entre as personagens do livro. Sua alta sensibilidade e seu afinado gosto artístico fazem com que ele se torne um ser ímpar e peculiar no livro. As suas falas predominam em casa, com Maria Rosa, que, constantemente, desaprova o sonho poético do marido.
Apesar dos vários insucessos utilizando seu intelecto, Carlos Lara tenta ganhar a vida numa escola particular numa pequena cidade, mas logo deixa de ter alunos por defender seus princípios.
Carlos Lara, professor e poeta, não pode sustentar sua família. Ter tanto conhecimento é o seu defeito. O texto revela um Brasil rural em que o estudo era o que menos importava. O que valia era ter as crianças e adultos empregados em qualquer emprego.
O Brasil agrário, representado pelo café, revela um país colonizado por idéias e conveniências sociais. Mais vale estar na lavoura ganhando dinheiro que trabalhar a beleza da arte (algo que Carlos Lara discorda); Maria Rosa temendo não se casar até uma certa idade, aceita rapidamente o pedido de Carlos Lara, este impulsionado pela emoção.
Podemos afirmar que Maria Rosa deixa de lado a razão somente quando é pedida em casamento por Carlos Lara, aceita por conveniências sociais e vaidade (não queria perder o poeta para outra mulher).
O livro também nos revela um Brasil que ainda traz na memória um tempo escravista. As comparações com os negros ganham preconceito nas falas de Maria Rosa que, várias vezes, compara seu trabalho de mulher do lar com o trabalho dos negros nos tempos de escravidão, mesmo cinqüenta anos depois.
As três cidades em que se passa a história, São Paulo, Sorocaba e Capinzal, dão diferentes sentidos à vida do casal. Em Sorocaba, estão os solteiros Carlos e Rosa (a inexperiência da vida); em São Paulo, vão morar após o casamento (a inexperiência conhece as responsabilidades da união matrimonial); em Capinzal, a menor das duas cidades, Carlos Lara vive seus piores momentos: é aqui que reina a ignorância e a calúnia, representada principalmente por Matraca, falso intelectual.
Podemos dizer que o título do livro está ligado diretamente às duas personagens centrais do romance, Carlos Lara e Maria Rosa. O feijão está ligado a esta, e o sonho àquele.
O livro está classificado como romance juvenil, ou seja, desde cedo já é recomendável que seja lido e o jovem já perceba que os caminhos da arte são duros, porém jamais deve-se deixar de lutar por ela.
É triste e vergonhoso saber que o “sonho” de Carlos Lara não consegue, num país tão injusto e ignorante, comprar o feijão da família.

Vitor Miranda

O feijão e o sonho
Autor: Orígenes Lessa
Editora Ática, 128 páginas, 44ª edição,São Paulo, S.P, 2000.

R$22,90

sábado, 28 de julho de 2007

Vendedores de bala


Certa vez, li na biografia de Machado de Assis que ele quando criança, ao perder seu pai, fora criado pela madrasta. Esta, que trabalhava de cozinheira, nas horas de folga fazia balas que eram vendidas pelo então menino Machado de Assis. Não era exploração, até porque Machado ajudava no sustento familiar com a venda e ganhava uma recompensa maravilhosa: a madrasta o ensinava as primeiras letras, as quais fariam parte de seus riquíssimos escritos literários e jornalísticos.
Bem, letras à parte, dias atrás eu estava em Ribeirão Preto. Por volta das 22h, aguardando o ônibus que me traria, como me trouxe, a Serrana, um menino chegou até a mim e me ofereceu um pacotinho de balas a R$1,00. Perguntou-me se eu não poderia ajudá-lo, pois com o dinheiro ele ajudaria em casa. Lembrei-me do bruxo Machado. Comprei a bala e interroguei o menino, saciando minha curiosidade. Perguntei-lhe a idade, onde morava, se estudava e se sabia ler.Todas as respostas vieram. Tinha dez anos, morava no bairro Vila Virgínia de Ribeirão Preto, estudava e, talvez, para a sua surpresa, você que me lê agora, ele disse que não sabia ler. Falou que estava na terceira série, porém não sabia ler direito. Também não tinha pai. (eu não quis perguntar se o pai estava morto ou se ele havia abandonado a família)
Sobre a mãe, falou que ela trabalhava de doméstica e o colocava na rua para trabalhar, sendo que o dinheiro das balas era entregue todo a ela. Ah, Machado de Assis, como sua situação e seu tempo foram mais nobres que a do menino que adquiri as balas.
Dez anos e ainda analfabeto, o menino vendedor de balas do século XXI.
Cada ano que passa, o Governo brasileiro aumenta sua preocupação em mostrar números lá fora de uma Educação inverídica. Dá orgulho aos governantes provar ao exterior que nosso país não tem quase ninguém fora da escola, principalmente crianças. Porém é um orgulho que busca interesses econômicos, não intelectuais.
Como o Capitalismo vive de números, e apenas isso, é interessante manter um alto número de alunos na escola e os avançando de série a cada ano, mesmo eles não estando aptos a avançar. Tudo isso é com a única preocupação de fazer com que o capital estrangeiro continue a entrar no país com a intenção única de explorar tudo que puder por aqui e acolá, afinal, exploração é feita por aqui desde 1500.
Um país que põe crianças de dez anos nas ruas para vender balas devido à miséria em que vivem, demonstra que, além de uma enorme desigualdade social que ainda vigora, este mesmo país finge que tem uma Educação de primeiríssima qualidade e deixa explícito que o importante são as aparências que devem ser passadas aos olhos estrangeiros.
Ainda bem que Machado de Assis não era o menino que me vendeu as balas, pois teríamos perdido um gênio que soube descrever tão bem o quanto somos hipócritas, vaidosos, ambiciosos e egoístas.

Vitor Miranda

Dica de leitura


O cargo da morte

Que José Saramago é um grande escritor, todos sabem. E é desse grande escritor que vem a minha dica de leitura. O livro é “As intermitências da morte”.
O enredo do livro é bem simples: a morte resolve cessar por um período a sua atividade num certo país, e, nessa interrupção, a sociedade receberá as conseqüências por tal intermitência.
O leitor, ao longo da narrativa, receberá das letras de Saramago uma visão que, talvez, nunca teve da morte, ou seja, o verdadeiro sentido e importância dela.
Ao abordar a morte, Saramago coloca em debate questões como a eutanásia, a importância social e biológica da morte, além de levantar uma questão sobre se é, realmente, vantajoso saber quando especificamente morremos.
E não pára por aí, o autor mostra que a morte possui grande importância no sistema Capitalista, pois ela atinge profundamente a economia do país e, até, a corrupção, que é representada pela máfia que negocia com o governo.
Quem ler “As intermitências da morte” verá que a morte não tem apenas a missão de manter o equilíbrio das espécies, tem sim, uma abrangência muito maior que, muitas vezes, não percebemos ou não queremos perceber.

Vitor Miranda

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Céu e terra

Atualmente, quem ligar a tv, com certeza, irá se deparar com alguma ou várias notícias sobre o acidente com o avião da TAM no aeroporto de Congonhas, S.P. Como todo bom ser humano, também fiquei chocado com o desastre. O que realmente me pergunto, deixando a sensibilidade de lado e colocando a sensatez em campo, é: a mídia faria a mesma cobertura se, em vez de um avião como o que colidiu, fosse um ônibus com vários bóias-frias?
Todos sabem a resposta, inclusive eu.
Após o ocorrido em Congonhas, a alternativa de momento foi cancelar vários vôos. Por que não se interdita, também, estradas esburacadas quando ocorrem acidentes graves com ônibus, por exemplo?, puxa! esqueci-me de que não podem interditá-las, não há segunda opção para esses seletos passageiros
Sabemos também que, os interesses financeiros são muito maiores nos aeroportos do que nas várias péssimas estradas brasileiras. A própria estética dos aeroportos, dos aviões e dos passageiros aéreos é diferente dos ônibus e seus tripulantes. Uma estética que, muitas vezes, oculta defeitos e expõem imagens a zelar. É, na verdade, um romantismo aos cegos e cínicos olhos. Beleza aérea se opondo aos feios motores que andam na terra.
A grande mídia está toda se doendo, atirando para todo lado, caçando as bruxas, querendo saber quem é e quem não é o culpado, querendo a todo custo medidas urgentes (não nego que também quero, mas por que não fazem uma campanha parecida com as estradas, asfaltadas ou não? Seria por que os “semi-deuses” trafegam no ar e os humanos na terra).
É fato que o preço das passagens aéreas diminuíram, mas mesmo assim, mais de 90% dos passageiros são médios e grandes empresários, celebridades, políticos, fazendeiros, ou seja, “egrégios tripulantes”, diferentemente de bóias-frias, sacoleiros e romeiros que ficam a deus dará com os vários problemas nas diversas estradas desse Brasil.
Bem, com o aumento da procura por passagens nas companhias rodoviárias, quem sabe a atenção aos problemas das estradas também aumente.
É viajar e esperar para ver.

Vitor Miranda