quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Paul McCartney

     
        Desde minha adolescência, quando comecei a ouvir Beatles, aguardava ansiosamente um dia poder presenciar um show de um dos três ex-integrantes até então vivos (infelizmente, tempos depois o George se foi). Ontem (26/11), em São Paulo, no belíssimo novo estádio do Palmeiras, consegui finalmente ver ao vivo um show de um Beatle. E que show!
            Paul McCartney fez mais um show antológico em sua carreira. É um dos poucos artistas clássicos que consegue perfeitamente aliar alta tecnologia com a música de ontem e de hoje. É de babar a precisão cirúrgica dele ao sincronizar os avanços tecnológicos com a arte construída por ele, sejam as canções da carreira solo ou conjuntamente as com os Beatles.
            Live and Let Die certamente foi o ápice entre tecnologia e música na apresentação de Paul. Apesar dos sedutores fogos estrategicamente utilizados e seduzindo com a estética do fogo a atenção das pessoas, a música não saía da mente de quem a recebia. Sem dúvida, Live and Let Die ao vivo é um grande espetáculo visual e sonoro. Arrepia até o mais insensível.
            Para falar de outra gigante canção do show, difícil foi alguém ficar parado quando o inglês começou a empolgante onomatopeia africana Ob-la-di Ob-la-da. Minha perna e a de muitos outros, depois de quase duas horas de show e mais um tempinho de fila, já estavam cansadas a níveis de pedir um banco para repouso, no entanto, Ob-la-di Ob-la-da veio como um bálsamo e repôs a energia coletiva. Impossível ficar sem pular. Mais um momento do show que arquivo na memória e no coração. Foi catártico!
            E quanto ao carisma? Falar do carisma do Paul é chover no molhado. Ele nunca abre mão de ser o que é. Se lançou em frases ditas em português e arriscou, inclusive, gírias. Interagiu sem forçar, sem ser pedante. Em um curto espaço de tempo, Paul fez parte total do país anfitrião.
            O poder de um Beatle como McCartney fica claro na plateia. Não me recordo de um artista clássico, com mais de 50 anos só de estrada, que consiga unir gerações distintas de mais de meio século em grande número. Crianças uniformizadas com camisetas dos Beatles ou do Paul, adolescentes, adultos e idosos compuseram homogeneamente o público. E melhor: todos cantando. Foram a segunda voz das canções e, em certos momentos, como Hey Jude, o público se tornou a voz única, um coral beatlemaníaco nas terras do carnaval.
            A noite que começou no dia 26 e terminou no 27, inclusive com uma suave e até sincronizada garoa,  jamais esquecerei. Gosto imensamente de música. Passar pela vida sem presenciar um show de um Beatle seria, para mim, viver musicalmente com uma oceânica lacuna. Agora, felizmente, a lacuna foi preenchida com letras e acordes de um dos meus maiores ídolos musicais: Paul McCartney.
Vitor Miranda

domingo, 9 de novembro de 2014

Público vulnerável

            A série televisiva Mad Men faz uma profunda abordagem da publicidade nos idos de 1960 nos EUA a respeito do cigarro. O público-alvo evidentemente é o adulto. A série demonstra como manipular o comportamento das pessoas a fim de se atingir os atuais e futuros fumantes. Explicita a vunerabilidade do adulto quanto à propaganda. Se assim é com este público, com o infantil a publicidade fica ainda mais séria, uma vez que nesta etapa da vida há mais imaturidade e menos poder crítico para se fazer um juízo de valor. Dessa forma, medir e permitir a publicidade infantil torna-se um desafio tanto de ordem governamental quanto familiar.
            É de responsabilidade do Estado permitir ou não certas publicidades infantis. Muitas vezes empresas exploram, principalmente na televisão, pois esta ainda é o maior meio de comunicação no Brasil, ideias positivas a respeito de certos produtos como refrigerante  e salgadinhos, produtos que, consumidos exacerbadamente, causam danos à saúde. É dever do Estado exigir que tais propagandas apresentem os malefícios do produto e limite seus horários e exibição nos meios comunicativos, porque elas ao exibirem crianças felizes e saudáveis vendem uma imagem falsa da consequência do consumo dos produtos veiculados.
            Além do Estado, cabe à família um poder de fiscalização e permissão diante as propagandas. De nada adianta o Governo estabelecer limites à publicidade infantil se pais acabam sendo sensibilizados por toda propaganda e pedidos dos filhos. A família também precisa complementar o trabalho do Estado. Ainda que empresas respeitem as imposições da lei, pai e mãe precisam ter o senso crítico de evitar que os filhos fiquem sujeitos a certas publicidades. São os pais que devem gerenciar as crianças e ensiná-las a fazer escolhas e, dessa forma, diminuir a chance de serem vítimas do marketing negativo e predatório.
            Mesmo a publicidade infantil sendo um grande desafio, é possível sair dessa batalha com um resultado positivo. Se o Estado e família derem as mãos e caminharem juntos nesse combate, a situação futuramente será positiva. Cabe àquele aplicar leis regulamentando propagandas e aplicar multas severas a empresas que ferirem os vetos. Já a família cabe fazer a fiscalização final e analisar que suportes comunicativos são, de fato, viáveis ao filho. Dessa forma, portanto, não abriremos espaço para que amanhã surja um Mad Men cujos protagonistas sejam as crianças.


Vitor Miranda

domingo, 30 de março de 2014

Lars escreve certo por linhas tortas

Sair do conforto da linearidade não é para todos. Abandonar o que pensamos, condicionados ou não, força-nos a tentar uma das máximas de Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa) "aprender a desaprender". Incorporamos uma série de costumes ligados ao cultural ou à moralidade. Muito do que nos é passado pode e deve ser contestado. Ao assistir recentemente ao tão esperado e já polêmico filme Ninfomaníaca, volume I e II, de Lars von Trier, foi nítido ilustrar tudo isso que afirmei no começo desse texto.
            Lars jorra no filme diversos pensamentos, preconceitos e anseios de uma sociedade que ainda tenta ocultar seus próprios defeitos. A câmera mostra o que os olhos do cotidiano cegam por vontade ou alienação.
            Metáforas dão um magnífico alicerce ao filme. Se tudo ali fosse literal, para nossa tristeza e um empobrecimento cinematográfico, teríamos um documentário. Não quero dizer que documentários não prestam, não têm qualidade. Apenas são um gênero não combinável com von Trier.
            Vi poucos filmes dele. Vejo nesse, de fato, um artista. E nem comento aqui a costura genial das diversas intertextualidades no filme que passam, por exemplo, pelas artes plásticas, filosofia e música.
            Uma grande obra abre-se para leituras diversas. Ninfomaníaca é um exemplo. As quatro horas de filme, divididas nos dois volumes, convidam-nos para um olhar crítico perturbador.
            Acredito que o título engana quem se contenta com o conceito dele. A narrativa não protagoniza o vício feminino por sexo. Pelo contrário, expõe o vício masculino. Homem, a maioria, não diz "não" ao que mais o determina como macho. Há uma predisposição para olharmos a mulher como a sem vergonha, tarada, vagabunda, imoral etc. E quanto ao homem?
            O sexo no enredo é o combustível para revelar o machismo, aceito pela moral implícita ou explícita.
            Em um país como o Brasil, onde uma recente pesquisa indica que 65% dos entrevistados julgam a mulher como culpada pela violência sexual recebida, Ninfomaníaca é um prato cheio aqui para nos atestar o machismo e a mentalidade moralista. Recusamos a crítica democrática entre os sexos. Quem não presta é ela, ora!
            Estou até agora batendo palmas para Lars von Trier.


            Vitor Miranda

quinta-feira, 27 de março de 2014

Álbum Despedaçado

Família, família, papai, mamãe, titia / Família almoça junto todo dia e nunca perde essa mania. Esses versos de uma conhecida música do grupo Titãs retrata uma típica família sempre junta em seu cotidiano. Isso, no entanto, não é o que se pode afirmar a respeito do grande filme Álbum de Família, do diretor John Wells. Na história, a matriarca da família – Violet Weston (Meryl Streep) – está com câncer e suas três filhas, entre elas Barbara (Julia Roberts), diante dessa situação e do desaparecimento do pai, se veem na quase obrigação de voltar à casa materna  para fazer, digamos, o social ou diminuir uns numerosos pesos de consciência. Moram longe, afastadas da mãe e do pai. O problema ao rebento é aguentar a língua afiada e ácida de Violet, que mesmo sendo consumida pelo câncer de boca, dispara sem trégua seu arsenal verbal contra todos. Trata-se de uma oportuna ocasião para externar quem é quem de fato nessa célula social doente.
            É um filme em que a voz feminina toma conta de todo o universo ali criado. Não é exagero apontar semelhanças entre seu enredo e algumas histórias do livro Laços de Família, de Clarice Lispector, especialmente ao genial conto Feliz Aniversário. No conto, Clarice narra uma festa de aniversário de uma mulher quase centenária cujos filhos festejam a data contrariados. Um deles, inclusive, nem vai. Manda a esposa ir para representá-lo. Durante a narrativa as falsidades entre todos são reveladas e, asperamente, a protagonista de quase um século descarrega sua visão crítica sobre a família que a rodeia. Ela sabe que o maior desejo de todos era estar longe de sua casa, pelo menos na rua, livres do núcleo familiar. 
              Tanto Clarice quanto John Wells moldam personagens femininas fortes e impactantes que protagonizam a quebra de teimosas máscaras de uma entidade há muito tempo em declínio: a família.
            O câncer corrosivo de Violet ganha papéis simétricos com a relação existente entre ela, marido e as filhas. A relação familiar ao ser verbalizada assume o caráter da corrosão que até então estava, aparentemente, muito bem implícita. É uma família nada empática. Acima de tudo estão os interesses particulares de cada membro. Uma irmã sistematicamente pensa no casamento por interesse com um adulto-adolescente cheio da grana. Outra busca alguém para não ficar solteirona. Já Bárbara, uma interpretação gigante de Julia Roberts, vaga sem rumo e, certamente, uma das menos preparadas para suportar os problemas clínicos da mãe. Com uma filha adolescente problemática (eis aqui um pleonasmo) e o divórcio, resta a Bárbara seguir em frente buscando um novo rumo. Mas como? A cena final do filme, para ilustrar a busca de novos rumos ou a desorientação, chega a simbolizar a condição da personagem de Julia Roberts.
            Assistir a Álbum de Família é ter a coragem de assumir que não estamos exclusivamente diante uma obra fictícia. O desmoronamento familiar desse álbum impera em diversos lares e, muitas vezes, por convenção preferimos esconder. Somos, compramos e vendemos imagens. O que querem de nós nem sempre podemos ofertar ou adquirir. Idealizar o parentesco é tempo perdido. Há sempre um câncer nessas relações se mostrando ora benigno, ora maligno.
            Álbum de Família não tem a pretensão de dar lições de moral como: "Ame seus pais, irmãos, perdoe e seja perdoado". Os potentes diálogos espalhados nas duas horas de filme não aspiram a uma lição tão sacra como essa hipoteticamente levantada. O que se tem na tela é o retrato desbotado de seres batizados na intolerância com o outro. É a fraternidade resumida numa insensível frase de uma das irmãs que diz: "Somos irmãs por acidente genético". Frase cheia de lama, indesejada.
            Nesse lamaçal familiar, fugir da fina camada de barro é exigência. Sair dessa sujeira é o esclarecimento de que se identificar, mesmo parcialmente, com o filme pode ser, a princípio, um choque. Segundos depois, porém, percebemos o quão somos docemente amargos, humanos. Notamos que no álbum de família temos, querendo ou não, um retrato roto e amarelado.
            Vitor Miranda

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

A droga da falácia

José Mujica, presidente uruguaio
Não é de hoje que se fala em descriminar ou não a maconha. É melhor legalizar? Manter ilegal? As opiniões se dividem. É perceptível que a opinião pública, na sua maioria, defenda a criminalização. Nossos vizinhos lá do sul, os uruguaios, recentemente tiveram no país a legalização da maconha. E a respeito dessa legalização, o poeta Ferreira Gullar – um ex-bom poeta – escreveu uma coluna ontem (12) na Folha de S. Paulo. Impressiona como a sabedoria de Gullar não mais se faz presente no que ele produz.
O autor apresenta em seu texto que o Uruguai em breve passará a fazer a festa dos traficantes sul-americanos. Diz ele que a legalização uruguaia alimentará as vendas ilegais, ou seja, fortalecerá o comércio ilícito na vizinhança na América do Sul.
Muitíssimo improvável que a profecia de Gullar se concretize. Qualquer sujeito minimamente informado a respeito desse assunto sabe que a maconha não é uma droga que fortalece sistematicamente o narcotráfico e muito menos a que agrava rigorosamente os problemas sociais nos países. Drogas muito mais viciantes como a cocaína e o crack é que, de fato, mantêm e ampliam o poder e renda dos traficantes. A dependência dos usuários em relação a essas duas drogas, por exemplo, é realmente a grande preocupação. Ambas podem causar sérios problemas físicos e psíquicos ou mesmo matar o dependente químico.
Há quem diga que a maconha é uma droga mais leve, porém abre portas a outras mais pesadas. Ora, se isso é verdade, o que leva ao uso da maconha? O cigarro? Então que se exija do Estado o veto à venda do cigarro. E aproveitando carona no assunto, que se proíbam também bebidas alcoólicas.
Não faço aqui a defensoria da descriminalizarão da maconha. Estou, na verdade, discordando de argumentos tão falaciosos como os de Ferreira Gullar. A verdade não é minha, mas certos equívocos são inaceitáveis, ainda que façam parte de uma opinião. Por mim, dever-se-ia proibir cigarro, maconha e tantas outras drogas, caso realmente a preocupação governamental seja a dependência e a saúde das pessoas. Tais drogas são nocivas à saúde e o prazer dado é ilusório e efêmero.
Aceitar falácias como a de Gullar é desviar o foco do real problema das drogas e encobrir que cigarro e álcool também são drogas preocupantes.
Caso seja verídico o desejo do Estado em combater o consumo de drogas, ele precisa atacar mais efetivamente o comércio delas na fonte. Vigiar melhor as fronteiras e aumentar o rigor legal contra traficantes é o caminho mais lógico nessa guerra. Sem o produto não há o uso. Combater o usuário com opressão e fichamento é certamente mais ineficaz do que combater o produto.

Vitor Miranda