Responsabilidades primárias ou realização pessoal, qual delas devemos priorizar? É, justamente sobre isso que se trata o excelente livro de Orígenes Lessa “O feijão e o sonho”.
O protagonista, o poeta Carlos Lara, possui grande amor à Literatura e almeja publicar seus livros, mas diante disso, está uma de suas obrigações como pai de família, ou seja, sustentá-la financeiramente.
Apesar de ter sido escrito em 1938, a crítica que se encontra no livro é atual. O poeta Carlos Lara escreve livros que raramente são publicados e, mesmo quando são, o dinheiro obtido é pouquíssimo.
A esposa do poeta, Maria Rosa, representa a razão, a racionalidade. Ela é a maior crítica da realidade vivida pela família, que tem quatro filhos. Maria Rosa sabe que ninguém num país como o nosso pode sobreviver de boa Literatura, ainda mais de poesias, que são tão pouco lidas e compreendidas.
Carlos Lara é um estrangeiro entre as personagens do livro. Sua alta sensibilidade e seu afinado gosto artístico fazem com que ele se torne um ser ímpar e peculiar no livro. As suas falas predominam em casa, com Maria Rosa, que, constantemente, desaprova o sonho poético do marido.
Apesar dos vários insucessos utilizando seu intelecto, Carlos Lara tenta ganhar a vida numa escola particular numa pequena cidade, mas logo deixa de ter alunos por defender seus princípios.
Carlos Lara, professor e poeta, não pode sustentar sua família. Ter tanto conhecimento é o seu defeito. O texto revela um Brasil rural em que o estudo era o que menos importava. O que valia era ter as crianças e adultos empregados em qualquer emprego.
O Brasil agrário, representado pelo café, revela um país colonizado por idéias e conveniências sociais. Mais vale estar na lavoura ganhando dinheiro que trabalhar a beleza da arte (algo que Carlos Lara discorda); Maria Rosa temendo não se casar até uma certa idade, aceita rapidamente o pedido de Carlos Lara, este impulsionado pela emoção.
Podemos afirmar que Maria Rosa deixa de lado a razão somente quando é pedida em casamento por Carlos Lara, aceita por conveniências sociais e vaidade (não queria perder o poeta para outra mulher).
O livro também nos revela um Brasil que ainda traz na memória um tempo escravista. As comparações com os negros ganham preconceito nas falas de Maria Rosa que, várias vezes, compara seu trabalho de mulher do lar com o trabalho dos negros nos tempos de escravidão, mesmo cinqüenta anos depois.
As três cidades em que se passa a história, São Paulo, Sorocaba e Capinzal, dão diferentes sentidos à vida do casal. Em Sorocaba, estão os solteiros Carlos e Rosa (a inexperiência da vida); em São Paulo, vão morar após o casamento (a inexperiência conhece as responsabilidades da união matrimonial); em Capinzal, a menor das duas cidades, Carlos Lara vive seus piores momentos: é aqui que reina a ignorância e a calúnia, representada principalmente por Matraca, falso intelectual.
Podemos dizer que o título do livro está ligado diretamente às duas personagens centrais do romance, Carlos Lara e Maria Rosa. O feijão está ligado a esta, e o sonho àquele.
O livro está classificado como romance juvenil, ou seja, desde cedo já é recomendável que seja lido e o jovem já perceba que os caminhos da arte são duros, porém jamais deve-se deixar de lutar por ela.
É triste e vergonhoso saber que o “sonho” de Carlos Lara não consegue, num país tão injusto e ignorante, comprar o feijão da família.
Vitor Miranda
O feijão e o sonho
Autor: Orígenes Lessa
Editora Ática, 128 páginas, 44ª edição,São Paulo, S.P, 2000.
R$22,90
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