sábado, 26 de junho de 2010

Tirinhas


Sem titubear, responda: há algum valor em termos de qualidade textual nas tirinnhas?

É evidente que sim.

É notável que cada vez mais elas estão presentes nos principais jornais do país, em livros didáticos e também em vários exercícios de vestibulares. Isso só prova seu caráter de qualidade e importância.

A tirinha apresentada no início desse texto corresponde ao personagem Calvin e foi publicada neste sábado (26/06/2010) no jornal O Estado de S. Paulo.

Nela podemos destacar alguns pontos interessantes, principalmente para professores de língua portuguesa: o conteúdo e a linguagem.

Observamos nela que ela pode ser um ponto de partida para uma interessante aula de interpretação de texto, inicialmente. Dela podemos extrair dois assuntos muito pertinentes na atualidade: o primeiro é a televisão, o segundo, a família.

Notamos que a preocupação maior pela televisão está na criança, aqui representada pelo menino Calvin. Para ele, o jantar não importa assim como a televisão. Isso ocorre, e cada vez com maior frequência, porque várias técnicas são utilizadas para atraí-las. Primeiramente, é mais fácil convencê-las por se tratar de um público sem muita capacidade para discernir o que é bom ou ruim. Segundo porque, como diz Calvin, um monte de gente faz isso (ver tv durante o jantar). A criança é aquela história: “macaquinho vê, macaquinho faz”. Ela ao ver outros fazerem, também quer fazer, num claro exemplo da sua enorme fragilidade em ser manipulada.

Outra temática apresentada nessa tirinha é a respeito da família. Aqui podemos relacionar o aspecto televisão / família. Enquanto o pai considera que o jantar é uma oportunidade de relacionamento familiar, a criança não dá a mínima para isso. O que ela não quer perder de maneira alguma é o seu programa.

O discurso do pai parece ser de um psicólogo. Vemos que o autor da tirinha dá a voz de um especialista no assunto (relações familiares) ao pai para educar o filho, demonstrando a ele valores importantes da convivência familiar.

Um outro aspecto importante dessa tirinha é a linguagem. Temos uma situação banal, o jantar, e nela há uma representatividade do coloquialismo. Vemos que há o uso intenso de locuções verbais, termos informais (a gente) e a quebra da regência verbal do verbo “assistir”.

Podemos atribuir esse uso linguístico a dois fatores: primeiro à situação informal da família ligada ao local em que estão, segundo à criança, que em sua formação vai aprendendo a usar os dois aspectos da linguagem verbal, a formalidade e a informalidade.

Portanto, é cada vez mais explícito que as tirinhas são de grande importância como elemento de expressão linguística e até de questões sociais. Além disso, não precisamos lê-las exclusivamente com uma intenção didática e pedagógica, podemos encará-las também como uma diversão, afinal, fazer rir também é um dos seus propósitos. E rir, meus amigos, não faz mal a ninguém.

Vitor Miranda

sábado, 19 de junho de 2010

Saramago


Meu primeiro contato com a obra de José Saramago aconteceu na faculdade. Foi no meu curso de Letras em que li “Ensaio sobre a cegueira”. Um aluno de terceiro ano, tendo em mãos um autor que não obedece às formas convencionais de pontuação e escrita, além de uma obra que reflete aquilo de pior na humanidade, foi um choque. Choque artístico que me deu uma cicatriz na alma que jamais se apagará.

Ontem, Saramago nos deixou fisicamente. É uma tristeza. Porém podemos amenizá-la abrindo uma obra sua e entregar-nos a reflexões políticas e existencialistas.

A Língua Portuguesa, como sabemos, é pouco conhecida no mundo e apreciada. Sem dúvida, Saramago, único autor em Língua Portuguesa ganhador do Nobel de Literatura, elevou no planeta nosso rico e belo idioma. Depois dele, somos um pouco melhor vistos nessa questão. Ele, um clássico e moderno, provou que o talento e uma boa ideia partindo de uma análise extremamente crítica e muitas vezes extraída de um fato banal, podem elevar qualquer elemento desconhecido e dele descobrir uma essência que até então não víamos. Isso é Arte! Não há dúvida.

Só talentosos iguais a ele são possíveis de expor que a partir de um elefante ou de uma cegueira enxergue-se um conflito existencialista. Além disso, sua outra grande obra “As Intermitências da Morte” serve para que observemos a morte nossa e dele, por que não, de um prisma que foge ao senso comum da excessiva tristeza. Ela é necessária e muitas vezes um alívio.

Outra coisa em Saramago que pode ser comprovada durante toda a sua vida foi a fidelidade aos princípios ideológicos. Hoje, isso é quase inexistente. Em uma era de globalização em que estar à frente e vencer sem medir consequências é lei universal, vemos que as ideologias vão se sepultando à medida que são literalmente compradas. Porém ao longo de seus 87 anos, José Saramago mostrou-se, numa lucidez invejável para a idade, que ainda é possível crer numa ideia e defendê-la bem argumentada com unhas e dentes do princípio ao fim, independente das opiniões alheias.

Olhar para a vasta obra desse escritor lusitano é se deparar com o talento ilimitado que o habitava. Mesmo fazendo a mais fina Arte, ele extrapolou e dela tiramos política, religião, economia, existencialismo, filosofia... enfim, nos deparamos com tudo aquilo que estava em sua mente e por consequência posto brilhantemente no papel.

Saramago, obrigado por tanta beleza literária nos deixada.

Vitor Miranda

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Que país é este?

Hoje no Brasil por onde se passa é quase certeza de se encontrar uma bandeira ou pessoas trajando o verde-amarelo. A febre da Copa do Mundo contaminou quase todos. É comum ouvir de muitos que estão torcendo pela “nossa” seleção dizer: “sou patriota, amo meu país”.

Confesso que tal ideia não me seduziu nem um pouquinho. Não estou torcendo pelo Brasil na Copa e mesmo assim me considero brasileiro como outro qualquer nascido por aqui.

Patriota confesso que nunca fui, muito menos ufanista, principalmente se a questão é futebol. Não estou torcendo pelo time do Dunga por vários fatores, desde ideológicos a administrativos.

A overdose do verde-amarelo tem me causado várias repulsas. Falar que futebol é alienação é chover no molhado, especialmente hoje em dia. Somos bombardeados constantemente por inúmeras propagandas do faça isso, seja isso, use isso, seja guerreiro, viva a seleção, salve a seleção... Pois bem, isso tudo embaça o pensamento realista e faz com que se acredite que os 23 jogadores que nos “representam” e fingem que cantam o hino nacional, são, de fato, a honra de nosso país e defensores do nome do Brasil. Não são!

Futebol há um bom tempo é um negócio altamente financeiro. O que importa para a maioria dos envolvidos é fazer dinheiro. Há interesses em quem é o convocado, quem dará a entrevista e quem será vendido. Todos os jogadores, ou boa parte deles, têm como primeiro sonho ir embora dessa terra que eles “amam” e defender o interesse FINANCEIRO pessoal na Europa. Isso mesmo, a maioria de nossos apaixonados pela terra Brasil querem ou já moram na Europa. O amor maior que têm pela pátria é para se promoverem e conseguirem um contrato mais rentável no Velho Mundo.

Quanto aos nossos dirigentes, aqueles que estão há décadas nos altos cargos, estão a cada ano se enriquecendo e dando as ordens nos bastidores e no campo. Adoram tanto nosso país que quando há amistoso, mesmo sendo mandante, nossa seleção joga na Inglaterra, Estados Unidos, México...

Fingimos que os patrocinadores não comandam, que o critério de convocação é técnico e democrático. O resultado? Uma seleção repleta de jogadores que não jogariam nem nas piores equipes que disputam o mundial. Lembram-se do Hulk, do Afonso? Pois é, tiveram a chance que gratas revelações como os santistas Neymar e Ganso não tiveram na seleção canarinho.

Enquanto isso, ao limitarmos que patriotismo é futebol, esquecemos as eleições federais e estaduais que teremos em alguns meses. Deixamos de lado questões sociais e nem lembramos que a Educação e Saúde, por exemplo, vão caindo no abismo da precariedade. Agimos na fantasia do futebol para expor ao mundo que alguma coisa por aqui funciona e é exemplo para o mundo. E às vezes isso ocorre, pena que é efêmero e a realidade é outra.

Não pintarei meu rosto de verde-amarelo e muito menos vestirei uma roupa homenageando a nossa seleção europeia-brasileira. Mesmo sendo taxado como o do contra e chato, prefiro não contribuir ao pão e circo futebolístico a que muitos explicitamente aderiram.

Futebol é um jogo, a realidade, não.

Vitor Miranda