domingo, 30 de dezembro de 2012

A odisseia de Pi


O cinema de 2012 nos submeteu a duros castigos. Tivemos entre esses castigos mercenários e vingadores, por exemplo. Eis, então, que dezembro para redimir os meses anteriores entrega de bandeja um agradável presente nas telas: “As Aventuras de PI”, dirigido por Ang Lee.
            Assisti ao filme depois de ver algumas resenhas bem favoráveis à produção e, para a minha constatação, as resenhas não blefaram.
            O filme é uma adaptação do livro “A Vida de Pi”, do escritor Yann Martel. É bom ressaltar a polêmica autoral que envolve a obra. O livro foi atacado por muitos como plágio do romance “Max e os felinos”, do escritor brasileiro Moacyr Scliar. No entanto, isso é outra história. Fiquemos com o filme como elemento de análise.
            Resumidamente, a história é a seguinte. Uma família de indianos depois de alguns fatos – não vêm ao caso – decide mudar-se para o Canadá e leva junto com ela os animais que tinham em um zoológico. A mudança é feita em um navio cargueiro que, lá pelas tantas, naufraga e no bote salva-vidas fica apenas (da família) Pi, o protagonista, a salvo. A família toda dele (mãe, pai e irmão) morre. Para surpresa do garoto Pi, alguns animais também estão no bote, e chegam mais dois pelas águas. Destaca-se aqui o tigre-de-bengala, o coadjuvante que, em certos momentos, torna-se o protagonista. Aqui novamente tem-se a eterna abordagem da relação entre homem e animais. As diferenças são latentes entre os dois reinos, mas humano e selvagem vão se conhecendo e criando intimidades necessárias para sobreviver.
            No início, impossível não sofrer uma catarse com as imagens poéticas de uma Índia exótica. São minutos de uma plástica exuberante, digna de uma descrição romântica.
            O alto teor religioso da obra, uma tentativa de conciliação entre politeísmo hindu e as religiões monoteístas, é enfatizado no protagonista, que vê nessa carnavalização uma união de crenças distintas para a busca do superior, do divino. Alegoria utópica para um mundo onde as guerras santas são uma constante.
            Das intertextualidades proporcionadas pelas leituras do filme, também está ali um Jó indiano. Crê piamente em deuses, perde tudo, família, bens, sofre as mais duras provas físicas e, no entanto, a fé se mantém acesa quando poderia facilmente ser apagada.
            Do ponto de vista mitológico e também simbólico, mais uma vez caímos em Homero. Ang Lee faz de Pi um moderno Odisseu.
            Assim como o herói da “Odisseia”, Pi passa por inúmeras provas no oceano para voltar para um porto seguro. E não se trata mais da casa nativa, como na epopeia de Odisseu, mas de uma nova morada. Enfrenta “monstros gigantes” (baleia), peixes voadores, tempestades e, poeticamente, uma ilha carnívora. Aqui se mostra a evidência mais próxima do herói grego Odisseu. Pi, após uma boa análise sobre a ilha e seus quase mistérios, deduz que ficar ali era automaticamente tornar-se o novo cardápio do local. Alimenta-se dela, porém seria alimento do lugar se ali permanecesse. O jovem faz uso da sua inteligência e, dessa forma, sua vida continua.
            O tigre-de-bengala é mais uma alegoria interessante. Dentro da relação intertextual com a “Odisseia”, de Homero, tem-se aqui o símbolo da desconfiança, do inesperado. Isso porque na obra grega o protagonista convive durante sua epopeia com uma tripulação de amigos que ora ou outra age de forma inesperada contra Odisseu. Tudo isso por conta da desconfiança da natureza do outro. Só para destacar uma dessas desconfianças, é só relembrar os presentes que Odisseu ganha e, por questões de imposição do doador, ele não pode revelar à sua tripulação. Os seus amigos de viagem, então, passam a desconfiar de que o astuto Odisseu ganhou valiosos tesouros e não quer reparti-los. Nos dois casos, filme e “Odisseia”, a conquista da confiança é extremamente necessária para a sobrevivência.
            Ainda bem que há diretores como Ang Lee que olham o cinema não apenas como um produto comercial, mas como ferramenta de arte também. A bela história de Pi nas mãos de Lee contribuiu para salvar, em parte, o cinema de 2012.
            Vitor Miranda

2 comentários:

Natasha disse...

De fato, um achado para o pouco promissor cinema de 2012. Excelente filme, fotografia, efeitos especiais, enredo. Destaque para a religião tratada de forma lúdica e alegórica, sem arroubos de convencimento terrorista.
Amigo, sugiro também o hilário Ditador (com o sempre sarcástico Sacha Baron Cohen) e O Hobbit (boa trama, boas atuações). Ainda na safra de 2012, li e ouvi boas críticas de 360 e Corações sujos.
Abraço, amigo!

Vitor Miranda disse...

Quando a religião ou ateísmo não caem na catequese, minha amiga, eles são bem-vindos.
Assisti a "360" (achei mediano, esperava mais). Mas os demais mencionados por você não vi. Vou procurá-los e comento posteriormente.
Obrigado pela visita e comentário.
Um beijo