Sair do conforto
da linearidade não é para todos. Abandonar o que pensamos, condicionados ou não,
força-nos a tentar uma das máximas de Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando
Pessoa) "aprender a desaprender". Incorporamos uma série de costumes
ligados ao cultural ou à moralidade. Muito do que nos é passado pode e deve ser
contestado. Ao assistir recentemente ao tão esperado e já polêmico filme Ninfomaníaca, volume I e II, de Lars von
Trier, foi nítido ilustrar tudo isso que afirmei no começo desse texto.
Lars jorra no filme diversos
pensamentos, preconceitos e anseios de uma sociedade que ainda tenta ocultar
seus próprios defeitos. A câmera mostra o que os olhos do cotidiano cegam por
vontade ou alienação.
Metáforas dão um magnífico alicerce
ao filme. Se tudo ali fosse literal, para nossa tristeza e um empobrecimento
cinematográfico, teríamos um documentário. Não quero dizer que documentários
não prestam, não têm qualidade. Apenas são um gênero não combinável com von Trier.
Vi poucos filmes dele. Vejo nesse,
de fato, um artista. E nem comento aqui a costura genial das diversas
intertextualidades no filme que passam, por exemplo, pelas artes plásticas,
filosofia e música.
Uma grande obra abre-se para
leituras diversas. Ninfomaníaca é um
exemplo. As quatro horas de filme, divididas nos dois volumes, convidam-nos
para um olhar crítico perturbador.
Acredito que o título engana quem se
contenta com o conceito dele. A narrativa não protagoniza o vício feminino por
sexo. Pelo contrário, expõe o vício masculino. Homem, a maioria, não diz
"não" ao que mais o determina como macho. Há uma predisposição para
olharmos a mulher como a sem vergonha, tarada, vagabunda, imoral etc. E quanto
ao homem?
O sexo no enredo é o combustível para
revelar o machismo, aceito pela moral implícita ou explícita.
Em um país como o Brasil, onde uma
recente pesquisa indica que 65% dos entrevistados julgam a mulher como culpada
pela violência sexual recebida, Ninfomaníaca
é um prato cheio aqui para nos atestar o machismo e a mentalidade moralista.
Recusamos a crítica democrática entre os sexos. Quem não presta é ela, ora!
Estou até agora batendo palmas para
Lars von Trier.
Vitor Miranda