Certa vez, li na biografia de Machado de Assis que ele quando criança, ao perder seu pai, fora criado pela madrasta. Esta, que trabalhava de cozinheira, nas horas de folga fazia balas que eram vendidas pelo então menino Machado de Assis. Não era exploração, até porque Machado ajudava no sustento familiar com a venda e ganhava uma recompensa maravilhosa: a madrasta o ensinava as primeiras letras, as quais fariam parte de seus riquíssimos escritos literários e jornalísticos.
Bem, letras à parte, dias atrás eu estava em Ribeirão Preto. Por volta das 22h, aguardando o ônibus que me traria, como me trouxe, a Serrana, um menino chegou até a mim e me ofereceu um pacotinho de balas a R$1,00. Perguntou-me se eu não poderia ajudá-lo, pois com o dinheiro ele ajudaria em casa. Lembrei-me do bruxo Machado. Comprei a bala e interroguei o menino, saciando minha curiosidade. Perguntei-lhe a idade, onde morava, se estudava e se sabia ler.Todas as respostas vieram. Tinha dez anos, morava no bairro Vila Virgínia de Ribeirão Preto, estudava e, talvez, para a sua surpresa, você que me lê agora, ele disse que não sabia ler. Falou que estava na terceira série, porém não sabia ler direito. Também não tinha pai. (eu não quis perguntar se o pai estava morto ou se ele havia abandonado a família)
Sobre a mãe, falou que ela trabalhava de doméstica e o colocava na rua para trabalhar, sendo que o dinheiro das balas era entregue todo a ela. Ah, Machado de Assis, como sua situação e seu tempo foram mais nobres que a do menino que adquiri as balas.
Dez anos e ainda analfabeto, o menino vendedor de balas do século XXI.
Cada ano que passa, o Governo brasileiro aumenta sua preocupação em mostrar números lá fora de uma Educação inverídica. Dá orgulho aos governantes provar ao exterior que nosso país não tem quase ninguém fora da escola, principalmente crianças. Porém é um orgulho que busca interesses econômicos, não intelectuais.
Como o Capitalismo vive de números, e apenas isso, é interessante manter um alto número de alunos na escola e os avançando de série a cada ano, mesmo eles não estando aptos a avançar. Tudo isso é com a única preocupação de fazer com que o capital estrangeiro continue a entrar no país com a intenção única de explorar tudo que puder por aqui e acolá, afinal, exploração é feita por aqui desde 1500.
Um país que põe crianças de dez anos nas ruas para vender balas devido à miséria em que vivem, demonstra que, além de uma enorme desigualdade social que ainda vigora, este mesmo país finge que tem uma Educação de primeiríssima qualidade e deixa explícito que o importante são as aparências que devem ser passadas aos olhos estrangeiros.
Ainda bem que Machado de Assis não era o menino que me vendeu as balas, pois teríamos perdido um gênio que soube descrever tão bem o quanto somos hipócritas, vaidosos, ambiciosos e egoístas.
Vitor Miranda
Um comentário:
Essa breve e corriqueira história nos lembra de algo que quase já é comum no nosso cotidiano: a miséria. A gente vê a malandragem e o quanto os valores do crime estão a cada dia crescendo entre a molecada, mas não podemos nos esquecer da miséria que ainda é a grande causa de tudo. Crianças vendendo balas nas ruas é nossa referência. Enquanto elas estiverem nas ruas e os muros protegidos por cercas elétricas não devemos esquecer que ainda nada é normal.
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