Atualmente, ao falar em filme nacional, o primeiro que vem à cabeça é o discutidíssimo “Tropa de elite” do cineasta José Padilha. Não é pra menos, ele aborda algo que é adorado ser visto ou presenciado pelas pessoas: a violência.
A violência não é um tema atual, é antigo. Pura hipocrisia querer defender que a atual é a maior de todos os tempos, não é!
Se fizermos um breve retrospecto, veremos o quão ela se faz presente e imensa desde tempos remotos.
A bíblia, por exemplo, traz passagens em que a violência é um dos carros chefes. O assassinato de Abel pelo irmão Caim; os assassinatos de crianças sobre ordens de Herodes; a crucificação de Cristo e ladrões. É o texto mais lido do mudo com grandes exemplos da violência humana .
Saindo da bíblia, mas não muito, a história nos mostra as maiores batalhas e ações sangrentas pelas quais o homem passou. As causas do banho de sangue pelas quais a humanidade passou foram as mais variadas: causa santa (Cruzadas e Santa Inquisição), colonização, invasões bárbaras, revoluções e protestos políticos são algumas. A cada ambição, lá estavam os homens prontos a atacar, matar e roubar. Muitas vezes, havia um álibi, uma causa para ataques e punições, causas defendidas em interesses próprios, divinos e políticos.
Nas causas santas, a necessidade das batalhas surgia, segundo os combatentes, da vontade divina, quando não era isso, a causa era mesmo darwinista, convenhamos.
O que se pode notar nos exemplos citados é que a única diferença entre eles são as causas, pois as conseqüências são idênticas. Sempre que houver a ambição desnecessária haverá um conflito, independente daquilo que estiver em questão. Cito “ambição desnecessária” porque há a “ambição necessária” ao homem. A necessária é aquela que não prejudica a ninguém e, se possível, possa até ajudar outras pessoas. É uma ambição que forma o caráter, a solidariedade e o papel social de uma pessoa.
Um estudante ao formar-se em medicina, direito, licenciatura e outras áreas sempre estará ajudando a sociedade com seu trabalho. O cidadão que planta uma árvore e torce para que cresça, a luta pela vida mesmo quando ela parece estar no fim e tantos outros mais. Vê-se assim que a ambição se faz necessária e benigna nessas ocasiões.
Há uma velha discussão: a vida imita a arte ou a arte imita a vida? Na minha opinião, a arte é conseqüência da vida e de nossos desejos, ou seja, não imita e nem é imitada. Se alguma área da arte aborda a violência é porque ela seduz o homem numa provocação incontrolável. Tal provocação atinge tanto a classe mais baixa quanto a mais alta economicamente ou intelectualmente. Mas por que fiz essa colocação, além de o próprio cinema ser uma arte? É simples. Quem mora na favela e ouve um rap sobre a violência se sente bem pois vê nele uma maneira de externar o que sente. Há quem vá a um concerto, por exemplo, para ouvir “Abertura 1812” de Tchaikovsky. Entre o rap e “Abertura 1812” qual a semelhança? Ambos tematizam a violência. O rap é o dia-a-dia violento que a desigualdade social provocou na sociedade, a “Abertura 1812” é sobre a invasão napoleônica na Rússia. O que se pode discutir são os aspectos artísticos de cada uma. Independente de qualquer diferença social, a violência seduz.
Um bom exemplo de mostrar como a violência está enraizada em nós é a infância. Quantos de nós não corríamos para ver uma briga na escola ou na esquina de nossas casas? As histórias infantis que tanto nos foram contadas por pais e professores estão recheadas até a borda de violência. Em “Branca de Neve e os sete anões” a bruxa manda arrancar o coração da princesa; em “Chapeuzinho Vermelho” o lobo mau (aliás, nunca vi lobo bom) é morto a tiros por um caçador; em “Peter Pan” o Capitão Gancho tem a perna devorada.
E as cantigas? Quem nunca cantou “Atirei o pau no gato, mas o gato não morreu?” Nota-se que há uma adversativa na canção: “mas.” Por que, era para o gato morrer?
Crescemos e nos formamos absorvendo a violência dos mais variados modos. Qualquer um está sujeito a expô-la em algum momento da vida. Somos animais racionais, mas também emotivos.
Antes de terminar o texto, faço uma breve passagem pela literatura para dar alguns exemplos de como nela também se faz presente a “violência.”
Alguns dos melhores romances e poemas que já li a aborda. Em “Eurico, o presbítero”, do português Alexandre Herculano, as batalhas santas dão ação ao romance. No romance Naturalista (o próprio nome já diz que é natural) “O cortiço”, de Aluisio de Azevedo, há brigas e assassinato. Carlos Drummond de Andrade em um de seus mais belos poemas, “Morte do leiteiro”, faz um importante relato sobre o drama violento do cotidiano. Por fim, cito “Ilíada” e “Odisséia”, de Homero, dois textos milenares em que o tema central é a luta entre gregos e troianos e a batalha para voltar a Ítaca, terra do personagem Ulisses.
Pergunto a você, leitor inteligente, tais obras devem ser rebaixadas por relatar tanto a violência?
O filme de José Padilha não traz nada de novo, muito menos procura ser partidário e expor que o BOPE é o lado certo e vencedor da questão. Aquele que for inteligente o suficiente para ver o quão a violência está banalizada, perceberá que há mais semelhanças entre eles (BOPE e traficantes) que diferenças. A maior delas é a própria violência. Tanto um como o outro utiliza-se dela para atingir seus objetivos sem terem o menor escrúpulo.
Quem realmente entender o filme, verá que não há vencedores, apenas perdedores numa luta que parece ser infinda.
Vitor Miranda