quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Bem me quer, mal me quer

Dias atrás, ao dar uma aula de leitura numa quinta série, levei aos alunos um poema de Carlos Drummond de Andrade para ser lido e discutido (afinal, um bom texto requer uma discussão, convenhamos).
O poema era o famoso “Quadrilha”, no qual várias pessoas vivem um desencontro amoroso. A velha história: quem eu quero não me quer, quem me quer eu não quero.
Sempre pensei que lecionar literatura, ainda mais Drummond, a um público juvenil a receptividade seria maior e melhor. Enganei-me. Os dias em sala de aula com alunos mais novos que os juvenis têm sido melhores e mais gratificantes. Principalmente no aspecto interesse e compreensão.
Há um grande fascínio quando eles, os mais novos, se deparam com um poema. O texto curto e direto, como a “Quadrilha”drummoniana, causa um certo impacto lúdico neles. Alguns se vêem no tema e no corpo do poema.
Após ler o poema, uma aluna veio a mim e disse: “Professor, uma vez eu gostava de um menino que gostava de minha prima, mas ela não gostava dele, gostava de outro menino.”
Grande foi minha alegria! Os poucos versos desse poema grandioso, naquela menina, exatamente 11 anos, foram transpostos do papel e levados para a sua vida. Penso que a literatura é pouco disso.
Quando a literatura se manifesta na vida de alguém é que ela passa, realmente, a ter vida. O texto literário
é um ser adormecido louco para ser acordado e incorporado e, uma vez acordado, jamais volta a dormir.
Acordar um texto é fazer as letras dançarem ordenadamente formando palavras, e delas, textos e mais textos: poemas, romances, contos...
Mas retornando ao bardo Drummond e a sua “Quadrilha”, ainda resta mais um relato sobre a minha aula na quinta série. Uma outra aluna, que adora ficar dispersa na aula, escrevia, cantarolando baixinho, no fundo da sala em uma folha de caderno, alguma coisa. Dirigi-me, lentamente, até ela e pedi para ver o que escrevia. Na verdade queria chamar sua atenção para que ficasse atenta à aula. Tive uma surpresa. Ela havia reescrito o poema substituindo “João, Teresa, Raimundo, Maria, Joaquim, Lili e J. Pinto Fernandes” por nomes de alunos da sala.

Vitor Miranda

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