sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Papéis passados


Não há dúvida, com a passagem do tempo mudanças ocorrem e vão mastigando tudo aquilo que um dia foi alguma coisa. Vai embora a pele lisa e chega a enrugada, foge a lagarta e surge a borboleta, some um rio, uma floresta e nasce a cidade. As mudanças vão desde o pessoal ao coletivo, passando por coisas grandiosas e pelas mais insignificantes ou menos notadas.
O progresso tecnológico talvez seja um dos maiores culpados por tanta mudança que foi ou virá.(e nisso incluem-se as coisas grandiosas e menos notadas)
Prefiro, por enquanto, falar das mudanças que foram, as que virão deixo para uma outra ocasião. O objetivo aqui não é profetizar, apenas relatar a muita saudade que existe das coisas mortas pelo tempo, e as poucas euforias com algumas boas mudanças.
O meu saudosismo é simples, e talvez eu encontre companhia de algum leitor também com muita saudade de um pedaço de papel e uma caneta. Eram esses os materiais que antes se usava para escrever uma carta (lembram o que é uma carta?). Além disso eram ferramentas do padeiro e do açougueiro para fiar a compra do cliente. Caderneta e caneta...
O fato é que o computador tomou o trabalho da caneta e do papel. Não só isso, tomou outros trabalhos também. Mas fiquemos concentrados no papel e na caneta. (e a euforia que mencionei, já está registrada. Digamos que esteja na troca da caderneta do pão e da carne. Euforia morna, é verdade. Os comerciantes sabem mais do que ninguém que o progresso veio mas também vieram grandes calotes)
Agora as saudades, na verdade, uma, mas com valor de muitas.
Os recados hoje não mais vivem nas cartas ou bilhetes, navegam de forma apática no mundo virtual. O carteiro tem que se contentar em entregar contas a pagar. Orkut, MSN e torpedos via-celular seqüestraram sem resgate o trajeto do homem amarelo. Com isso, ganhou-se praticidade e rapidez. O que reclamo e encho de saudade os olhos e as mãos, que já andam com calos apenas nas pontas de tantas teclas pressionadas, é que o saboroso e ímpar contato com o papel e as letras borradas e manuais vai sumindo lá no longe da memória.
Recuso-me muitas vezes escrever com o computador. Dou uma escapada para os papéis, cola, selo e caneta, mas... as cartas até que vão, porém as respostas não chegam pelo mesmo caminho que foram. Se eu quiser as respostas de correspondências, tenho que abrir o mundo fictício de meus e-mails. Lá estão as respostas: paralisadas, sem vida, intocáveis e tristes.
Por mais que a modernidade com toda a potencialidade que possui, seja na informática ou não, transforme quase tudo e quase todos, certos prazeres são insubstituíveis. Abrir o e-mail não possui o mesmo sentimento humano de ouvir a batida de palmas do carteiro no portão ou o ruído do papel deslizando a caixinha de correio com uma carta, dos amantes, dos pais distantes, do irmão, do soldado na guerra, dos amigos..., apesar de que o próprio e-mail já está na UTI, uma vez que as pessoas preferem, várias delas, a usar mensagens instantâneas.
A modernidade levou o papel embora, está quase levando o próprio e-mail, o que fica para trás é um pouco do muito que é a escrita artesanal.

Vitor Miranda

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