terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Grande sertão: roseano


Falar bem de uma obra de João Guimarães Rosa é chover no molhado, ainda mais quando se trata de Grande sertão: veredas. Depois de quase dois meses, terminei de ler esse único romance de Guimarães Rosa. Ao longo da leitura tive uma alegria e uma tristeza. A alegria se deu pelo início da leitura e a tristeza pelo livro ter terminado.
Grande sertão: veredas é uma daquelas obras que o leitor torce para que não acabe. Cada página, narrada com maestria pelo narrador-personagem e ex-jagunço Riobaldo, é um prazer único e fonte de profundos conhecimentos. A linguagem, a filosofia, a crença, a geografia do sertão e o amor se entrelaçam edificando esse que é um de nossos maiores romances.
Muito se fala sobre o Grande sertão: veredas, mas como comentou comigo certa vez um amigo escritor, são poucas as pessoas que já leram a obra, inclusive professores de literatura e língua portuguesa.
A leitura dela é de fundamental importância para quem realmente aprecia a boa literatura brasileira ou para o profissional da área de Letras. Guimarães nos ensina a geografia do sertão sem se preocupar em ser didático. A naturalidade do espaço sertanejo é posta nas linhas pela linguagem que revela quem é o homem e onde ele está.
Riobaldo ao longo da narrativa ao seu interlocutor, que aparece nomeado por “senhor”, esclarece passo a passo quem foi o grande amor de sua vida, além de discutir sobre a existência ou não do diabo.
Aquilo que envolve sua situação amorosa com Diadorim é digna obra prima de construção literária no âmbito da paixão. Por baixo da dureza da figura do jagunço Diadorim, estão o coração, corpo e alma feminina. Isso passo a passo é trabalhado ao longo de deliciosas seiscentas páginas. O amor por Diadorim, que a princípio era um homem, deixa o jagunço Riobaldo inconformado. Como era possível ele ter se apaixonado por um homem? Mas não era homem, Diadorim era ela. Tal descoberta só ocorre quando Riobaldo não mais pode consumar seu grande amor. Diadorim é morta numa luta com o jagunço Hermógenes. Diadorim era tão sensível que até o nome dela lembrava de um passarinho, como dito por Riobaldo ao longo do texto. O que se pode ver nessa situação, é que o amor de Riobaldo por Diadorim conseguiu enxergar aquilo que os olhos não conseguiram. É o sentimento perfurando regras morais e se mostrando verdadeiro. Riobaldo não amava um homem ou uma mulher, Riobaldo amava Diadorim.
O demônio existe ou não? A dúvida da humanidade também é a de Riobaldo. Ele, entretanto, chega a uma conclusão: o demônio existe nas ações do homem. Assim pensa Riobaldo, que nos apresenta uma multiplicidade cultural para nomear o demônio. Cramulhão, Temba, Coisa Ruim, O-que-nunca-se-ri... e por aí vai. É filosófico pactuar com o demo. Se a alma pertence a Deus, não se pode vendê-la, conclui Riobaldo.
A obra compõe-se também de pequenos “causos” que vão acrescentando ainda mais qualidade às questões principais do romance. É primorosa a história de Maria Mutema, mulher que assassina o marido com chumbo derretido no ouvido e faz com que um padre se mate por ela. Riobaldo narra a história com poeticidade na linguagem, com coloquialismo e neologismos, algo que ocorre praticamente durante toda essa narrativa.
Ler Grande sertão: veredas é mais do que um exercício de leitura. É um aprendizado de vida, é a chance de conhecer um pouco do sertão geográfico para conhecer o sertão que se esconde dentro de nós. Amor, ódio, vingança, esperança, ilusão, tudo está no livro. E se tudo isso está na obra, então se pode concluir, sem nenhuma dúvida, que João Guimarães Rosa escreveu o que é a vida. E a vida se faz pela linguagem.
Vitor Miranda

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