sábado, 17 de janeiro de 2009

Mais do que som


Na mitologia grega, Orfeu tinha o dom da música. Por meio dela encantava os ouvidos humanos e dos animais. Nunca vi Orfeu, mas a arte dele sempre ouço. É difícil imaginar viver num mundo sem música. Já de pequeno, ainda no berço, as primeiras melodias são soadas para que possamos dormir. Sem nada entender, aceitamos a beleza sonora e caímos no delicioso sono pueril, fazendo do mundo apenas um lugar que fica lá fora com a música sendo o escudo que deixa a vida dentro do espaço do berço.
É muito agradável ouvir uma bela música. O prazer vindo dela pode ser pela simples melodia ou pelo casamento da melodia com a letra. Acontece que nos dias de hoje ela não é vista exatamente como uma arte pela maioria de seus autores. Não se pode classificar qualquer tipo de som como música, é cair no erro de achar que japonês é o mesmo que chinês.
Antes de qualquer coisa, a música se propõe a passar ou provocar um sentimento real e permanente. Qualquer ouvido sensível que se depara com Beethoven ou Mozart, mesmo não tendo nenhum conhecimento mínimo sobre música erudita, se rende ao prazer sonoro de suas composições. Uma sinfonia de Beethoven eleva a alma a um patamar impossível de ser medido. Tudo deixa de existir e o corpo torna-se um pequeno átomo revestido de prazeres artísticos.
Por ser uma das mais importantes artes, a música frequentemente nos remete a outras artes. Na minha adolescência, fui um adolescente como a maioria, um cavalo que trotava sem paradeiro num vale interminável e cheio de surpresas. Foi então que conheci duas músicas de uma banda que marcaria a minha formação e continua marcando. Faroeste caboclo e Pais e filhos, ambas do grupo Legião Urbana.
Pela primeira vez na minha vida eu parei para analisar uma música. E foi nessa etapa que descobri que a arte é sentimento. Descobri que a voz misturada com acordes transmitia a ideia de que o mundo era um lugar de grandes valores. A narrativa de Faroeste caboclo sobre um sujeito que sofrera os mais duros golpes na vida, se mostrava como filme, conto, música, pintura... A arte se revelou viva para mim. Poderia ter se manifestado de qualquer forma, mas se manifestou como música.
Pelas músicas da Legião Urbana descobri Manuel Bandeira e Camões, além de partir para Beatles e crescer em mim uma crítica televisiva e consumista. Ouvi, para grande espanto, Geração Coca-Cola. Mais tarde, ao findar minha adolescência, caio na MPB e nela conheço Chico Buarque, Tom Jobim, Caetano, Geraldo Vandré... O jovem da Legião Urbana tinha acrescentado mais arte sonora ao seu mundo.
Mas a música não está só em mim. É inegável a importância dela nas mais distintas culturas. Ela não apenas embala o sono do bebê e desperta um adolescente para a vida, ela carrega por séculos tradições de homens que começaram a escrever a história que escrevemos hoje. As festas juninas só ganham vida na sanfona e nos cantares. Dançamos ao som da música, louvamos a fé pelo canto. O folclore brasileiro é impraticável se a música se fizer ausente de sua base. Bumba-meu-boi não bumba sem o bumbo, e este só deixa de ser um objeto quando dele nasce o som, a música secular.
Em algumas escolas no Brasil ainda se pratica o canto do hino. Muitos só se lembram dele na época da Copa do Mundo, e olha que os homens de chuteira raramente conseguem cantá-lo até o fim. A letra a eles e até a muitos estudantes é matéria de ignorância. O hino nacional é por excelência um dos maiores símbolos de uma nação. Celebramos por música o respeito e orgulho por nossa terra natal.
Podem me chamar de ignorante, mas sempre defenderei a boa música. Não se houve músicas antigas porque se é saudosista, ouve-se porque não há mais a preocupação com a boa letra e melodia na atualidade. Castigar os tímpanos com o som esdrúxulo dos que se dizem artistas é a soma de todas as imbecilidades possíveis. A arte é expressão de sentimentos que jamais devem ser passageiros e inócuos. Ela é expressão permanente que deixa a vida mais bela e melhor de ser vivida.

Vitor Miranda

Um comentário:

Mary Titoto disse...

"É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã..." RENATO RUSSO, POETA! adorei o texto...bju mary