terça-feira, 20 de julho de 2010

Imbecilidade


- Oi, Imbecilidade. De novo por aqui?

- Puxa, cara! Tenho vindo muito por estes lados. O pessoal anda me convocando bastante.

- Percebi mesmo. Acho que ontem vi você lá perto do centro.

- É bem provável. Atualmente tenho ido a muitos lugares. Sabe como é, as pessoas cada vez mais imbecis e eu cada vez melhor com isso.

- Não pensa em parar de dar as caras? Me sinto muito mal cada vez que te vejo.

- Imagina. Adoro aparecer. Para eu deixar de aparecer, você sabe muito bem que não depende de mim. Quem manda o povo ficar só fazendo asneira?

- Eu sei, mas acho que isso ainda vai durar muito. Aliás, as besteiras só aumentam.

- Adoro tudo isso.

- Claro, é o que te fortalece.

- Ontem mesmo teve um rodeio. Adivinha se apareci? Não perderia por nada ver aquele povo cheirando esterco e alguns burros montando nos cavalos.

- Sei muito bem que adora essas imbecilidades, Imbecilidade.

- Daqui a pouco teremos mais algumas coisinhas do gênero aqui.

- É? O quê?

- Ah, o de sempre. Um pessoalzinho marcou de vir hoje nesta esquina com carros e pôr o som no último. E me parece que mais tarde vão fazer um racha.

- Quanta imbecilidade!

- Sim, sem dúvida.

- Vão correr pra ver se matam ou matam alguém, aposto.

- Isso sempre acontece.

- Mas por que você veio bem antes de eles chegarem?

- Está vendo aquelas pessoas entrando e saindo daquela loja?

- Sim, e daí?

- Olha na mão delas. A maioria com um carnê enorme.

- Entendi. A imbecilidade do crediário.

- Que idiotas. Não suportam uma propaganda lhes dizendo “financiamos em até 60 vezes”.

- Propaganda vende.

- Não, não vende. Ela assalta os imbecis.

- É melhor eu ir indo. Já está quase na hora do jogo da seleção brasileira.

- Você não me engana. Bem que desconfiei.

- Desconfiou? De mim? Do quê?

- Você também é um imbecil.

Vitor Miranda

terça-feira, 13 de julho de 2010

Loucura contemporânea


É comum ouvir por aí “você está louco! Fazer isso é loucura!” Mas, enfim, o que nos permite definir o que é ou não é a loucura?

Dom Quixote era tratado como louco porque acreditava em um mundo em que a palavra e a moral eram os maiores valores humanos. A maioria, porém, não tinha a mesma postura quixotesca dele e por vezes ele apanhava ou era ridicularizado.

Hoje as loucuras mudaram, são outras. Muitos são aqueles que fazem dívidas exorbitantes e se afundam no desespero de ter que cumprir com algo fora, literalmente, de sua realidade. Tamanha loucura tem como incentivo o turbilhão de propagandas diárias despejadas na televisão, internet e rádio que procuram expor ao seu público que para ele poder ser alguém, é preciso comprar, comprar e comprar.

Talvez o consumismo seja a maior loucura do nosso século. E ela é tão grande e perigosa porque acarreta outras consequências além do indivíduo. Atinge o coletivo e põe em risco a continuidade da vida no planeta. Tamanha loucura se concretiza tendo em vista a necessidade dela para alimentar a fabricação daquilo que consumimos em excesso. Os recursos naturais estão a cada dia sendo mais e mais utilizados de maneira desenfreada. Em breve, e isso já se tornou senso comum em dizer, a escassez desses recursos se acentuará drasticamente.

Além disso, a loucura consumista produz a cada minuto avalanches de lixo, uma vez que a cada produto utilizado, sua embalagem, seus resíduos e mesmo seu desperdício se alojam no meio ambiente e interferem negativamente na terra, na água e no ar, e nem é preciso aqui dizer como eles são afetados. O olfato e o paladar nos dão a resposta.

Se a loucura é a fuga da lógica, ninguém poderá negar então que a doença consumista é, sim, uma loucura de proporções apocalípticas. Sair dela e voltar para realidade é função de cada um para que todos sejam beneficiados e não termos um planeta tão cheio de vida como Urano ou Netuno.

Vitor Miranda

domingo, 11 de julho de 2010

Criador e criatura

Em Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, uma das passagens mais memoráveis da obra é a batalha entre Dom Quixote e os moinhos de vento. Trata-se aqui de uma metáfora. Em resumo, era uma luta entre o homem e a máquina, esta vista pelo herói como monstruosos gigantes.

Naquele tempo, o moinho de vento substituía vários trabalhadores que tinham a função de moer o trigo, por exemplo. Consequentemente, esses trabalhadores perdiam seus empregos de “moedores” e deveriam procurar outro trabalho, pois os moinhos eram movidos a vento, não geravam os gastos humanos e, assim, o patrão tinha um bom negócio em mãos.

Quatro séculos depois, temos a mesma luta de Dom Quixote. Os gigantes se multiplicaram com os avanços tecnológicos.

É inegável que a tecnologia nos trouxe enormes benefícios. Conforto, praticidade e maior expectativa de vida, por exemplo, são pontos positivos que mudaram a vida da humanidade. Ocorre, porém, que os aspectos negativos muitas vezes se manifestam de modo ainda mais contundentes do que os positivos.

Um dos grandes pontos ruins da tecnologia está na automatização do trabalho. É comum vermos em vários setores máquinas trabalhando no lugar de pessoas. Os bancos, em geral, estão cada vez mais com um número menor de bancários. Isso ocorre porque um caixa-eletrônico ou serviços via-internet fazem o serviço que antes eram exclusivos dessa classe.

Essa substituição não para por aqui. Guaritas de shoppings centers, lojas vendendo produtos on line e empresas de telefonia com atendimento computadorizado são outras substituições de gente por máquina. Como alternativa alguns defendem que os empregos substituídos geram outros trabalhos para que tais desempregados se empreguem. É claro que outros empregos são criados com o avanço tecnológico, pois se há uma máquina que atende no banco é evidente que alguém a fabricou. Contudo, os empregos gerados pela fabricação de uma máquina como essa, não são proporcionais na mesma medida do número de pessoas que ela pôs na rua. Ao fazer o trabalho de dez pessoas, ela cria no máximo três outros empregos.

A substituição de criador por criatura se acentua com grande rapidez a cada dia pela preocupação maior das grandes empresas, que é o lucro. Vivemos em um sistema que para sobreviver procura sempre diminuir os gastos para que o lucro seja maior. Com isso é evidente que a troca de homem por máquina seja uma ação comum nesse âmbito. Com mais e mais pessoas sem trabalho, o custo da mão-de-obra humana abaixa e a prática do trabalho praticamente escravo se expande. Países emergentes e subdesenvolvidos como os africanos e mesmo a China são exemplos de lugares onde se produz muito e paga-se pouco aos trabalhadores que, entre eles, boa parte é de criança. São essas pessoas que possibilitam ao mercado ocidental produtos de grandes marcas para que seus clientes, por exemplo, usem um tênis da última moda. Financiamos, assim, a exploração do trabalho escravo e infantil.

Mesmo apontando e reconhecendo os benefícios da tecnologia, devemos refletir a seguinte questão: quem ela está beneficiando com conforto, praticidade e maior expectativa de vida? Na verdade, uma minoria da população mundial.

O que abastece a tecnologia é a exploração do mundo globalizado expandindo mais e mais as desigualdades sociais. Os efeitos de tamanha desigualdade e incoerência trarão consequências ainda maiores que o desemprego, isso porque este desencadeia outras mazelas. Desemprego atrai o desespero e em seguida alimenta a violência. Quem não tem, vai procurar obter de outras formas, afinal, é preciso sobreviver.

Não se vê em parte alguma o governo trabalhando com políticas que visam contornar a situação. Elegemos nossos governantes, mas eles não governam por nós. Temos uma democracia fantasiosa. Quem, de fato, dita como deve ser e não ser é o capital especulativo. As multinacionais vêm, fixam-se nos países e dão a sua cartilha para ser seguida. São simples e diretas, ou o governo age de acordo com as ideias que exigem ou vão embora. E o que oferecem? Um número mínimo de empregos para a população e o maior possível para as máquinas, pois estas não criticam o patrão, não têm férias, 13° salário, não engravidam, não vão à justiça ou filiam-se a sindicatos.

Enquanto a ditadura do dinheiro ditar as regras tecnológicas, as classes menos abastadas e sem chances reais de uma vida melhor continuarão engrossando a massa de prejudicados pela tecnologia. Em um breve futuro, não só essa classe será a prejudicada, mas sim todos nós. É preciso que rapidamente os governos e as pessoas em geral acordem para esse perigo e passem a ditar as regras ditas hoje pelas grandes multinacionais. Somente assim poderemos extrair da tecnologia o que ela realmente tem de bom e descartar seu lado ruim.

Vitor Miranda

domingo, 4 de julho de 2010

Ontem e hoje


A tecnologia melhorou a vida de muita gente e também modificou muito nossos hábitos ao longo de anos e anos de descobertas e, consequentemente, progressos tecnológicos. É difícil imaginar a vida moderna sem chuveiro elétrico, televisão e computador, por exemplo.

Por outro lado, em meio a oceanos de tecnologia, perdemos muitas coisas significativas. Diria que perdemos o romantismo em diversos hábitos. Isso ficou bastante evidente para mim ontem, quando estava em uma loja de produtos diversos em frente à seção de cds.

Lembro-me de que na minha juventude havia um gostoso hábito de ter o cd original dos artistas que eu gostava e gosto. Não havia naquela época a pirataria e nem a onda de downloads que hoje estão mais do que sacramentadas na atual geração.

Tenho alguma propriedade para falar sobre esse assunto porque vivi a minha geração e hoje compactuo com a atual fazendo muitos downloads na internet, desde músicas a filmes. Não vou dizer que acho ruim baixar músicas na rede virtual, até porque muitas vezes ela é a única opção para se encontrar álbuns que já estão fora de catálogo há muito tempo no mercado. Pensa que é fácil encontrar o primeiro cd do Chico Buarque ou Bob Dylan nas lojas? Não é.

Mas ontem o sentimento do download desapareceu durante o tempo em que fiquei a pesquisar diferentes cantores e bandas na seção musical da loja. Baixar a música unicamente exclui o sentimento maravilhoso de poder admirar o trabalho gráfico da obra do artista e mesmo ter em mãos todas as letras do respectivo cd. Além disso, é inegável discutir a qualidade do produto vindo do forno da gravadora comparado a uma cópia baixada na internet.

Sei também que há a questão do senso comum em dizer: “cd original é caro, prefiro o pirata ou baixar.” Nem sempre isso é verdade. Comprei ontem a R$9,90 o último cd do Oasis, obra de ótima qualidade musical e gráfica dos irmãos Gallagher. (pena que a banda acabou este ano)

É muito claro que os tempos são outros, como já dizia o grande bardo lusitano Camões “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, mas às vezes é muito bom relembrar o tempo em que download era apenas tema para filme de ficção científica e que ter o álbum dos nossos artistas é motivo de prazer e deleite para os ouvidos e olhos.

P.S.: Guardo com carinho minha coleção original de cds do Legião Urbana.

Vitor Miranda