domingo, 21 de outubro de 2012

Cartas


Estava assistindo, novamente, ao belíssimo filme francês O Fabuloso Destino de Amélie Poulain e, numa das cenas, apareceu o pai da protagonista no portão e ao seu encontro, numa tarde de ventos agressivos, veio um carteiro. Pronto! Instalou-se a nostalgia em mim. Motivo? A carta.
            Sim, leitor, uma carta. Talvez as gerações mais novas não saibam, mas houve um tempo em que a internet e seu conteúdo como as mensagens virtuais, principalmente as veiculadas pelas chamadas redes sociais, não existiam. A comunicação não-pessoal restringia-se a meios como o telefone e cartas, por exemplo.
            Hoje dado o imediatismo e o avanço tecnológico, usam-se mensagens via internet e sms quase o dia todo. Perdeu-se o artesanato da comunicação não-pessoal tão romantizado nas cartas. Não mais temos o prazer de ler uma mensagem com a marca pessoal de quem a fabricou. Muito menos de abrir o portão e receber a doce visita do carteiro, que hoje se restringe, principalmente, a nos entregar boletos de contas a pagar ou alguma compra via-internet.
            A carta tinha o problema da demora, da angústia que atormentava o destinatário que sabia de alguma correspondência por vir e que não chegava. Mas em certos casos, como um bom porto, a demora acabava dando mais sabor no recebimento. Prazer impensável e desbotado para “nossas novas gerações” (obrigado pelo verso, Chico!). Abrir o envelope, desdobrar o papel com suas irregularidades à esquerda provocadas pelo arame do caderno, ler a data e o vocativo e beber cada letra desenhada por mãos muitas vezes de nossa intimidade, eram ações de extrema sensibilidade humana.
            Temos para hoje o privilégio da rapidez, que como pagamento nos exigiu o fim do artesanato papel e caneta. Ficamos mais rápidos, mais comunicativos, porém menos humanos e criativos.
            Acho que estou ficando velho ou mais adulto, apenas. Já alcancei Cristo com seus 33 invernos, no entanto, ainda guardo um pouco do que passou. Ainda sinto vontade de escrever e receber cartas. Se possível, recebê-las no portão como o pai de Amélie, com o vento feroz varrendo as folhas secas das árvores.
            Vitor Miranda

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