Conflito, tenebrismo, imposição
religiosa, atmosfera negra... enfim, elementos que, ao pé da letra, soam como
um afastamento ao prazer. Mas em se tratando de Caravaggio, de arte, a ideia
muda.
Tive
o prazer enorme de visitar a exposição “Caravaggio e seus seguidores”, no MASP,
e me deparar com beleza estética, narrativa, conflituosa e hipnotizante do
“pai” do Barroco. Ao todo são seis obras do maior nome do Barroco.
Para
quem, minimamente, tem em si a sensibilidade, impossível não se impactar com a
beleza barroca nas telas de Caravaggio. Os quadros nos levam ao final do século
XVI e início do XVII registrando em tenebrismo a qualidade inquestionável desse
pintor italiano, além de deixar “claro” (sem eliminar o obscurantismo estético,
diga-se de passagem) os conflitos do autor e do homem daquela época. Pode-se
dizer que nos pincéis de Caravaggio estava boa parte do sentimento dramático
despejado pela Igreja na sociedade daquele momento. Isso se fez em suas telas
pelos personagens bíblicos ou não.
Na exposição do MASP, sem dúvida, as obras que
mais despertam admiração do público são a “Medusa” e “São Jerônimo Penitente”.
Duas maravilhas que, de imediato, já tematizam um conflito: o sagrado e o
profano.
Caravaggio
pinta uma Medusa, em um escudo, já decepada por Perseu. Na imagem, a face da
mulher mitológica ganha traços humanos muito bem definidos e, ao mesmo tempo,
na tentativa de registrar a dramaticidade da ação, serpentes e sangue jorrado
lutam pela atenção do espectador. O escudo onde o autor fez a arte é uma
extensão ao mito grego. Na mitologia, Perseu usa um escudo para visualizar
Medusa e derrotá-la, pois se olhasse diretamente nos olhos dela, tornar-se-ia
pedra. E talvez seja realmente essa sugestão que a obra ambicione. Não temos o
escudo de Perseu, e, portanto, temos que olhar a Medusa caravaggesca
diretamente. Dessa forma, ficamos petrificados diante tamanha beleza engendrada
pelo gênio humano, seja pela história criada pelos gregos ou pelas tintas de
Caravaggio.
“São
Jerônimo Penitente” também é um universo de beleza e qualidade estética. Na
tela, o crânio iluminado sobre a mesa e a cabeça também iluminada de São
Jerônimo (a princípio uma busca por semelhanças) se opõem e, nessa antítese,
temos diante dos olhos o básico do mundo: vida e morte. Tal efemeridade se
marca e se acentua pelo fundo escuro, sem nada. Não há presença do mundo, não
há o que se ver além do homem e seu futuro.
A
fila para ver as seis obras de Caravaggio estava longa. Demorei uma hora e meia
para entrar no museu, entretanto, não reclamei, afinal, as obras me esperaram
por mais de 400 anos. Aguardar uma hora e meia foi pouco. Reclamar seria uma heresia com condenação
inapelável.
A
exposição vai até o dia 30 de setembro. Perdê-la é um pecado, vê-la é uma
purificação.
Vitor Miranda
5 comentários:
Vitor, belo e inteligente seu texto. Nele está uma síntese do espírito barro. Parabéns!
Menalton, suas palavras me deixam extremamente inflado. Grato pelo comentário crítico.
Legal,pena não ter dado pra eu ir.
Interessantíssima sua exposição da exposição, principalmente a parte "Demorei uma hora e meia para entrar no museu, entretanto, não reclamei, afinal, as obras me esperaram por mais de 400 anos."
Parabéns, amigo, continue nos iluminando culturalmente.
Nat, eu que agradeço pela visita ao meu blog. Honram-me muito opiniões como a sua.
O retorno de quem lê é muito importante para saber o que devo melhorar ou manter.
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