domingo, 30 de setembro de 2012

Um perfume que não perde o aroma


Há 20 anos o diretor Martin Brest lançava um dos melhores filmes da carreira do talentoso Al Pacino: Perfume de Mulher.
            No filme, narra-se a história de um homem que acidentalmente fica cego, o tenente-coronel aposentado Frank Slade (Al Pacino). Ele vai a Nova Iorque acompanhado pelo estudante Charlie Simms (Chris O'Donnell) para passar um final de semana. Frank é extremamente amargo com as pessoas e com sua própria vida. Charlie aceita o trabalho temporário porque é bolsista na faculdade onde estuda e está precisando de dinheiro.
            Al Pacino chega a beirar a perfeição nessa atuação. Não é à toa que ganhou o Oscar de melhor ator em 1993 por esta performance. O discurso militar, observado logo no primeiro encontro entre Frank e Charlie, e a representação do que é, de fato, um cego enchem os olhos do apreciador da sétima arte. Pacino esbanja talento em mais de duas horas.
            A crítica áspera de Frank vai a tudo e a todos, inclusive à família. Diz ele a respeito de sua irmã, cunhado e sobrinhos: “Ele é mecânico e ela dona de casa. Ele entende tanto de carros quanto uma miss e ela faz biscoito com gosto de pneu. Quanto às crianças, são umas pestes.” Ora, têm-se aqui um Boca do Inferno? Parcialmente, sim, no entanto, ao longo do filme Frank vai se interessando pelos problemas de Charlie e percebendo que, problemas, todos os têm. Dessa forma, o amargo de Frank vai ganhando gotas de adoçante.
            A intenção do coronel inicialmente é a de se matar depois desse final de semana, pois já não suporta a vida limitada à escuridão. Mas os obstáculos da vida de Charlie e o próprio estudante com sua personalidade, que sai do barro disforme para ganhar formas concretas, afrontam o coronel. Indiretamente o estudante apresenta-se como uma epifania a Frank.
            O notável e inesquecível do filme não é a amargura de Frank, nem seu desejo voraz pelas mulheres, mas sim a cena da desconstrução da fera pela bela. A fera, neste caso, é a aspereza do tenente-coronel, e a bela é a arte do tango, especialmente porque se trata de um dos maiores clássicos de Carlos Gardel, Por Una Cabeza. Na cena, Frank dança com uma belíssima mulher, Donna. A cada passo efetuado pela dupla obtém-se a catarse proposta pelo fatalismo sugerido pelo tango de Gardel.
            O tango dançado por Frank e Donna está, sem sombra de dúvidas, entre as mais belas cenas já produzidas pelo cinema mundial.
            Embora o filme centralize suas potencialidades em Frank, a fotografia não deixa de ser muito bem trabalhada. Ainda no primeiro encontro do tenente com Charlie, o estudante encontra o ex-oficial sentado ao fundo de uma sala com pouca luminosidade. E é justamente na origem da pouca luminosidade do local que temos uma simbologia interessante. Um facho de luz passa pela janela numa clara alusão a uma luz divina, típica das igrejas góticas, para iluminar Frank sentado, todo poderoso e autoritário com o jovem estudante. Nada de sagrado há aqui, porém a ideia de poder não passa despercebida.
            Certamente Perfume de Mulher é um daqueles perfumes que se recusam a perder o aroma em nossa memória cinéfila. Assistir a ele é uma experiência marcante, revê-lo é a confirmação disso.
Vitor Miranda

2 comentários:

Natasha disse...

Em troca de ter aprendido com o jovem a dosar sua amargura, Frank parte em sua defesa no final, gerando uma catarse tremenda com seu discurso crítico. Excelente filme que retrata as trocas de experiências entre os mais maduros e os mais jovens... assim como Encontrando Forrester.
Ótimo texto!

Vitor Miranda disse...

O filme é um leque de informações e belezas. A catarse final é mais uma parte que daria uma outra resenha.
Obrigado pelo cometário crítico, Nat.